A mídia que não se cala - CAPÍTULO 1
Uma história sobre jornalismo, paixões e, acima de tudo, sonhos
Já havia acabado tudo. Limpei a mesa da redação e me prontifiquei a caminhar pelo corredor como se nada tivesse acontecido. E não tinha. Os outros jornalistas me olhavam de solsaio. Coitados. Eles seriam os próximos.
Já havia acabado tudo. Limpei a mesa da redação e me prontifiquei a caminhar pelo corredor como se nada tivesse acontecido. E não tinha. Os outros jornalistas me olhavam de solsaio. Coitados. Eles seriam os próximos.
A redação, pela primeira vez em dez
anos no mesmo lugar, estava indo à falência por falta de verba.
Grana, meu caro amigo. A bufunfa que deveria entrar só sai. Há mais
prejuízos aqui do que se pode imaginar. Mas sem fazer nada, não
fico. Um trabalho cá, outro aculá, a gente se vira como pode. Viro
free lancer se necessário, mesmo tendo quase 50 anos nas costas,
alguém sempre contrata. Jornalista velho é igual panela velha, o
melhor.
- Então é verdade? Está começando as demissões? - conversa de elevador é um sarro. Um monte de jornalista desesperado para saber se vai ser demitido.
- É... convenhamos que sim. Sou o primeiro. Você pode ser o segundo, quem sabe? - olhei para o rapaz e sorri. Vi ele engolir seco e sai do elevador.
Sou um velho de 49 anos que está
para entrar na casa dos 50. Jornalista desde os 13, aprendendo a me
virar nesse mundão maluco. Hernest Brim, ou Hern. Se pronuncia Rern,
mas quem liga?
Descobri o jornalismo em uma rádio
comunitária perto da fazenda que eu morava. Era novo e fazia de tudo
pra não trabalhar na roça. Preguiçoso também. Hoje trabalho com
uma das profissões que a preguiça não existe. Meu pai era cunhado
do dono da rádio e o homem precisava de locutor. Sempre tive uma voz meio
grave, mas locutor não era o meu forte. E eu escolhi? Não!
Com 13 anos o bichinho estava
trabalhando na rádio, sem ganhar um tustão, apenas pra não ter que
ir pra roça e ficar sem fazer nada. O problema é que lá eu fazia
de tudo e mais um pouco. Ser locutor era o de menos.
Ai eu cresci, continuei na área e
hoje sou jornalista por atuação. Na minha época não tinha esse
negócio de diploma, registro, carteira. Nada. Eu sou jornalista e há
quem diga que não. Faço o circo pegar fogo.
Fiz uma moça que hoje tem 28 anos e
nem fala comigo. A ingrata se formou em jornalismo político e mora
na França. Penso que minha filha cheira mal, mas a última vez que a
vi, ela cheirava à rosas. E, por falar nisso, não a vejo a mais de
oito anos, desde quando foi fazer intercâmbio fora e decidiu ficar
por lá.
Ela ainda me liga. Guarde isso.
Minha mulher me trocou por um garoto
vinte anos mais novo que ela. Se eu fiquei decepcionado? Nunca fui
tão feliz. Sou velho mas ainda levanto tudo. E nunca reclamaram.
Moro na capital do Paraná, Curitiba.
Mas minha segunda casa é São Paulo. Tô indo para lá amanhã pra
resolver minha vida. Preciso trabalhar. Na verdade, eu me importo pra
caramba de perder o emprego. Eu preciso de comida. Velho, gordo e
falido. Prazer, sou eu.
-
Sou
preguiçoso e tive que acordar às cinco da manhã para pegar o avião
para ir para São Paulo. Como eu consegui a passagem? Dez anos
trabalhando em uma das maiores redações jornalísticas do Paraná
me valeram alguma coisa. Uma dica: tenha contatos. Josnalista precisa
de contatos pra ser jornalista. Precisa de gente conhecida que se
disponibiliza a fazer coisas em troca de informações.
Odeio
avião. Só vou viajar com esse teco-teco por ser mais rápido e mais
seguro. Odeio ônibus mais que odeio avião. São os ofícios da
vida. Tenho que segurar no descanso toda vez que o bicho decola. Já
acabei segurando na mão de uma mulher, sem querer, e ela se atracou
no meu pescoço. Parecia macaco grudado na mãe, quem disse que
largava? Tive que chamar a aeromoça e pedi para tirar a dita cuja.
Peguei o telefone da aeromoça. A mulher “mora” em São Paulo nas horas vagas. Mas ela não está nesse avião. Talvez eu ligue quando chegar lá.
Peguei o telefone da aeromoça. A mulher “mora” em São Paulo nas horas vagas. Mas ela não está nesse avião. Talvez eu ligue quando chegar lá.
- Bom dia senhor, o senhor aceita uma bolacha? Água? Refrigerante?
- Algo tem que ser pago? - eu deveria ter me envergonhado da pergunta, mas a aeromoça fez o serviço da vergonha alheia.
- Apenas a água é de graça, senhor.
- Dá uma então.
Não
entendo, tô indo viajar às cinco da matina e ao invés dessas comidas
serem de graça para melhorar meu estômago, me cobram. Paguei mais
de trezentas pratas pra viajar uma hora e vocês cobram? Pensando
bem, não paguei. Mas que se dane.
Graças
a Deus que as passagens eram para o aeroporto de Congonhas. Queria
estar dentro da cidade, mesmo correndo risco de morrer por ser um
lugar tão perto de edifícios. Estou vivo.
No
saguão, um homem alto, grisalho, vestindo terno e sapato social, com
pinta de garanhão segurava uma placa escrita Rern Brim. Levei minhas
mãos a cabeça e quase chorei de desespero.
- Bom dia, só para esclarecer, é Hern, com H e não com R. Apenas se pronuncia Rern. - o homem me olhou e sorriu como se não se importasse com minha bronca matinal.
- Senhor Brim, venho em nome da Salcom aguardar o senhor para a entrevista.
- Pensei que era um encontro. - debochei.
Fui
levado à um prédio com mais de trinta andares no centro da grande
São Paulo. O elevador era comandado por voz e digitais. Se eu fosse
trabalhar naquele lugar, precisaria de chaves no mínimo. A
tecnologia me repugna. Eu não saberia enfiar meu dedo naquele
buraco. Na verdade meu dedo não entraria em buraco algum.
- O diretor da Salcom o aguarda. Pode entrar.
A
porta do homem era toda prata. Devia ter mais de dois metros e meio
de altura. Coisa de palácio.
- Bom dia senhor Brim. Sente-se, por favor. - ele era muito mais jovem que eu e muito mais rico. Qualquer um era mais rico que eu.
- Bom dia.
- Senhor... Hernest? Certo, falei certo?
- Sim. Hern, por favor.
- O.k., aqui diz que o senhor está trabalhando em Curitiba em uma redação jornalística a mais de dez anos. Por que há pretenção de saída, senhor?
- Fui demitido. Despedido. A empresa faliu. É jornalismo que vivia as custas de propaganda. Faliu. Vou fazer o que. - me aconcheguei na cadeira macia e cruzei as pernas. O homem me olhou desconfiado.
- O senhor se propõe a morar em São Paulo caso consiga a vaga?
- Mas claro, só preciso das passagens para voltar para cá. Preciso do emprego, na realidade. Até me viraria com as passagens.
- O.k., aqui contém todas as informações que preciso saber do senhor?
- Ã-hã.
Não
houve mais perguntas. Desconfiei que havia perdido um emprego, de
primeira vista, bom. Estou conformado.
Estava
na hora do almoço e o estômado de um velho jornalista gordo
roncava. Meu voo de volta à curitiba saía as 13:15 de São Paulo.
- Moço, você pode me levar de volta para Congonhas? - falei, na maior cara de pau para o motorista que havia me buscado. Ele relutou, pigarreou, pegou as chaves do carro e saiu de trás do balcão.
- Levo o senhor. - disse com um sorriso amarelo.
Almocei
no aeroporto mesmo. Comi um Mc Donald's meio grande. Coloquei no
crédito. Se viesse dinheiro no próximo mês, estaria pago. Se
não...
Tive
que ficar cerca de uma hora esperando. Sentei em uma cadeira, cruzei
as penas e apaguei. Acordei com uma moça me cutucando.
- Vi sua foto em um jornal... Acho que era “O Diário do Norte do Paraná”. - ela devia ter uns 20 anos.
- Norte? Quando isso? - agora minha matéria ia pra outros jornais.
- Faz uns dois meses. O senhor escreveu uma bela crônica sobre a derrota dos times paulistas e eu li. Gostei. Pensei que era do Paraná.
- Tô voltando pra lá. Sou de Curitiba, e você?
- Sou estudante de jornalismo. - a garota sorriu, como se aquilo fosse considerado um prêmio. Mal sabia ela, coitada.
- Como é seu nome?
- Virgínia. Virgínia Alienz.
Meu
voo foi chamado e eu me despedi da menina e caminhei até o saguão
de embarque. Fiz tudo como manda o figurino. Em meia hora pousei na
minha cidade. Peguei um táxi e fui para casa.
Dormi
o dia todo.
Acordei
no dia seguinte pensando em dar uma corrida no parque.
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