Qual o discurso da Globo?

Perdida no tempo 



Muitas vezes uma empresa se torna grande demais para manter um discurso padrão. Outras vezes o sucesso incomoda. Porém em alguns casos mesmo com o sucesso há uma necessidade de mudança. Esse ponto obriga, volta e meia, a repensar o discurso, pregando assim uma falsa noção de aproximação. A emissora de televisão Rede Globo passa por isso já faz um tempo. Fundada em 1965 por Roberto Marinho, conquistou com os anos, a liderança televisiva no país, tornando-se referência para as concorrentes.
No entanto sucesso traz críticas, isso é inevitável. Algumas empresas lidam com a situação de forma natural e contornam o problema de forma eficiente. A Globo não. A história da emissora já é cheia de lacunas e tentativas de recontar fatos históricos do próprio ponto de vista há muito tempo. Só para citar um exemplo, em 2013 a emissora admitiu sua culpa ao apoiar a ditadura. Mas foi apenas uma forma de reescrever a própria historia, talvez por saber que mais cedo ou mais tarde a participação, por anos negada, viria a público, ou seja a emissora agiu de maneira antecipada.
Esta atitude se mostrou “falha”.  Em meio à era da informação esse tiro no pé, só fez aumentar as diversas críticas à emissora. Porém, nada de muito alarmante para a líder do mercado que conta com a negligência do governo em educar as pessoas (se entenderam a crítica sabem do que falo). O “negócio” está feio em outros setores. Justamente no campo da massa (hahahaha povão), como se pode notar, duas novelas da emissora tiveram seu tempo encurtado, audiência baixa.  Culpa de um discurso chato e repetitivo.
Por quê? Simples novamente. Carisma. Eu não vejo novelas há certo tempo, no entanto nunca me identifiquei com personagens descritos nas novelas “globais”. Manoel Carlos conta a história que ele conhece de uma classe média idiota, com problemas frívolos e que esquece os demais. A pobreza nessas novelas é esbelta (não que pobre seja feio ou maltrapilho), sem defeitos só deveres e deveres. Fica impressão de que só tem gente bonita e responsável nas favelas e periferias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Até bandido é “no estilo”.
 Até quando a emissora tenta prestigiar o talento brasileiro sai tudo errado. A novela das 19hrs é um exemplo. Outra tentativa da emissora em colocar um visionário do país como estrela principal, ficou falso e superficial (como tudo por lá). Esse ponto eu acredito que deve ser por que o cidadão comum não conhece esse lado desenvolvido da sociedade. Não é apresentado diariamente ao povo o sucesso. Só é mostrado um estilo de vida. Onde, em palavras subliminares, deixa claro que está fora do alcance.


 Qual publico agradar? 



Todas as novelas globais têm um núcleo de ricos, nem sempre o principal. Mas acaba por ser apresentado personagens distantes até mesmo da realidade da classe mais abastada do país.
Pessoas frias, calculistas, psicopatas, fúteis e muitas vezes, mal informadas (‘os boy fica doido com isso’). Acaba por afastar pessoas da dita “elite” nacional (acredite esse povo também assiste novela, muito por sinal). Onde então fica o discurso da emissora? O que se tenta apresentar? 
Tomei as novelas da Globo apenas como ponto de partida, onde tudo se pode e nada se contesta. Dentro da programação da emissora tem vários exemplos. A mudança de postura dos jornalista, agora mais simpáticos. O núcleo esportivo mais livre para dizer o que pensa (duvido, mas fica assim). Programas com temas mais próximos da realidade do povão. Jornalismo mais sensacionalista (só um pouquinho). Falta contratar um apresentador falastrão que discurse junto aos menos afortunados. Tentativas de mudar. Ninguém quer perder o trono, mesmo longe disso, é melhor remediar.

E nesse ponto a Globo, sabe fazer a tarefa de casa. Porém, temos nos jovens um grupo social cada vez mais crescente em suas críticas, revoltas, cobranças e exigência por mudanças. O alvo deles? Globo.  A ideia de perfeição e esconde-esconde da emissora há muito já foi notada. A forma bonitinha de apresentar um tema, não se aproxima em nada com a realidade. Alguns simples exemplos: a pessoa com AIDS, nas novelas da emissora, ou é negra ou faz parte de um grupo com problemas. Gay é vilão. Viciado é de classe média, burra, de grandes centros (ou pobre).  Existem pessoas assim, claro. Ninguém é burro em pensar o contrário. Entretanto, sempre é assim na Globo, uma vez ou outra muda de foco.
O tema homossexualidade em pauta atualmente dentro das produções televisivas (não só na Globo), dentro da emissora ainda é barreira. É só notar como o personagem é apresentado e o desfecho dele que se percebe a falsidade na construção. Posso ir além e dizer que as pessoas que escrevem esses atores da vida são de fato preconceituosas. Por este motivo fica difícil se comover com eles. Muitas vezes jogados ao núcleo cômico, vilania ou em subenredos onde a atenção é pouco. 

Onde se ganha o pão



Voltando a Globo, um bom exemplo que me incomoda até hoje é o Félix da novela “Amor a vida”, vivido pelo ator Mateus Solano. O personagem foi da encarnação do mal para agente cômico e com uma reviravolta linda no final. Uma tremenda falta de respeito com o público (ou não, já que dizem que o personagem é o público que escreve) e com a lógica social. O cara jogou um bebê no lixo, planejou inúmeras atrocidades e no fim, por que o ator conseguiu por méritos fazer o publico se identificar, ganhou a redenção. Detalhe ele era gay. Como explicar? A emissora costumeiramente joga na costa de pequenos grupos sociais os defeitos da sociedade. 
Sempre de forma absurda, superficial e cômica. Para apresentar temas como: O negro, pobre ou batalhador. Submisso de forma indireta ao sistema, ou com discurso ufanista. Ressaltando apenas as características mais marcantes de um estereótipo de luta.  O gay, muitas vezes cômico ou vilão. Bem longe do real. O pai de família infiel, machista (sabemos que nem sempre é assim). A mulher de meia idade com crise, com baixa estima e medo da perda de juventude (conheço muitas mulheres com mais de 40 perfeitas e lindas e bem resolvidas). No entanto, os problemas são ressaltados nesses grupos. São exemplos de bodes expiatórios de uma sociedade cada vez mais controladora, com discurso formado a respeito de tudo e todos.
A Globo esquece que viciado existe em cidade pequena, que a juventude também tem crise, que o homem passa por situações de preconceito depois de certa idade. Que a mulher, grupo injustiçado por décadas não precisa mais do homem provedor (em muitos casos é o contrário). E o homossexual, pode sim ser sério, bom, bonito e bem resolvido.  Todavia, a emissora procura marcas, clichês sociais para bater em cima. Querendo afirmar um padrão. Querendo dizer como deve ser. Dona de um glamour que por décadas perdurou.  Detentora do direito (dado por seus donos) de dizer como o mundo deve se comportar.

A emissora carioca se encontra naquele momento de entender o público que por décadas ignorou, apenas jogou bordões e frases de efeito para conquisar números. Por que números são comercialmente aceitos, pessoas não. Resta esperar e torcer para que tudo mude (não para a emissora). Esperar que todos, cada vez mais, obriguem esses meios de comunicação a falarem de igual para igual com a sociedade. Sem a desculpa de que só é apresentado o que solicitado pela pessoa. Se fosse assim eutanásia seria legal e é um crime. Entendeu à analogia? 

Emir Bezerra, Colunista.

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1 comentários

  1. Nossa, eu adorei essa matéria. Achei muito bem escrita e apontou bem os problemas da globo. Achei maravilhoso.

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