Entre "eu vou" e "eu fico"

Chegava em casa e jogava a bolsa no sofá, tirava a blusa e a calça e deitava na cama como se fosse a sua casa. Se aconchegava no travesseiro enquanto 

esperava eu ligar a TV. Ditava o que queria e o que não queria assistir.




— Esse não, é chato. Para, para, deixa ai! 

Ela me puxava pra cama e tirava minha camiseta. Deitava de bruços e jogava o braço por cima do meu peito. Ela nem via a TV, tava quase dormindo. 

Abria um olho de vez em quando pra me olhar de esguelha e depois sorria como quem não queria nada, como quem estava satisfeita consigo mesma. 

Dizia que estava com fome e levantava, indo na cozinha procurar alguma coisa.

— Você precisa comprar comida, ok?! Precisa de uma mulher nessa casa. Contrata uma empregada logo.

Ela era bipolar. Não no sentido real da palavra, ela era maluca. Aparecia na beirada da porta da cozinha e fazia biquinho.

— Tô com fome, cara. 

Caminhava de volta pra cama e pulava nela, deitada, se esticando toda, me fazendo cair. Deitava de bunda pra cima e fazia menção de estar dormindo. Mudei o canal pra luta e ela despertou. Sentou e pegou o celular. 

— Quero uma grande. Pode ser a moda da casa. Brigada. 

Ela mandava eu ir buscar e dava o dinheiro pra eu pagar. Eu devolvia e pagava, eu também tava com fome. Quando eu subia ela estava sentada na cama, com os braços envolta das pernas vendo a luta entre os caras e torcendo para o que estava de azul. 

— Poxa seu juiz, isso não pode! 

Me perguntava se ela estava assistindo à luta ou à um jogo de futebol. Ela pegava a pizza com as mãos e mordia delicadamente enquanto seus dedos faziam carinho na minha barriga. Ela nunca parava com esses carinhos. 

Jogava a cebola de lado e chupava a pontinha dos dedos engordurados. As unhas, tão cuidadas e com o esmalte descascado pela falta de tempo, não por preguiça. Ela dizia todo dia que ia tirar.

— Preciso ir. 

Levantava correndo e colocava as roupas. Eu impedia as vezes e fazia ela ficar. Fazia ela dormir. Quando eu acordava, via o semblante calmo e lindo dela. Eu sussurrava "ah, linda". Não sei se ela ouvia.

Suas noites eram sempre à base de acordar às 7:00hrs da manhã e fazer amor comigo. Depois voltava a dormir.

— Sou o homem da relação. Boa noite.

E já era manhã. Continuava dizendo boa noite até dar meio dia e ela despertar toda descabelada e louca para escovar os dentes. Dizia sempre estar apertada. Aparecia na porta do banheiro com a escova na boca e perguntava o que estava passando de bom. Nada, eu dizia. Ela era o que tinha de bom. Quem liga pra TV?

— Agora eu vou.

Ela se vestia, arrumava o cabelo e passava o batom. Mesmo que eu borrace tudo depois que a deixasse em casa. Fica bem. Saia caminhando pela rua clara e quente. 

Eu vou, eu preciso, eu quero vê-la de novo. 

Slutt e Mag (Gabriela Cadamuro - Cranela)

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