Mad Max 4: A metáfora do feminismo machista
Em 1979, George Miller estabeleceu sua versão de western com Mad
Max. O filme que retrata um futuro distópico não tinha a pretensão
de ser um sucesso comercial. Custando pouco mais de U$ 400 mil,
arrecadou mais de U$ 100 milhões dólares no mundo, tornando por
décadas o melhor custo benéfico do cinema. Aclamado pela crítica,
ganhou duas sequências excelentes. Contudo, já naquela época o
diretor não se mostrava tão interessado em continuar a série.
Foram-se 30 anos, U$ 200 milhões e muita paciência dos fãs, mas, à
tão esperada quarta parte chegou aos cinemas. No entanto, o tempo de
geladeira pesou contra a produção nas bilheterias. Muito se discute
desde seu lançamento se haverá uma continuação. Mesmo aclamado
pelos fãs, estamos vivendo um período de crossover, serie café com
leite, heróis (nada contra) e comédias sem graças. Franquias de
outras décadas sofrem para se atualizar diante de um público cada
vez mais imediatista, e com memória curta. Fora a internet,
pirataria, custos altos, etc...
Agora, não é quantidade que determina qualidade, e se tem um filme
que já pode ser chamado de “cult” nos dias atuais, é Mad Max 4
– Estrada da Fúria. Com roteiro brilhante, direção impecável e
com o discursivo baseado em ícones, estereótipos e símbolos,
entrega em poucas palavras e muita ação, o caos moral e anarquia
social que vivemos. Se nos demais filmes tinham em Max Rockatansky
uma espécie de salvador da pátria, aqui temos Imperatriz Furiosa, a
figura masculinizada da mulher que luta para fugir do homem
dominador. Para isso, utiliza os mesmo recursos e armas para mostrar
força. Se ela é a figura corrompida da mulher, numa sociedade que
impõe vontades patriarcais. Max é o homem que luta contra seus
estigmas, fracassos, mazelas e fantasmas. Tenta ignorar um poder
inventado para ofertar segurança, assim como percebi seu novo lugar
nas lutas. O protagonista ainda está ali, como está em todos. Não
existe o herói reluzente ou mártire de um causa, que vai sozinho
salvar o mundo. Apenas um ser humano, incapaz de doar a própria vida
em vão, apenas pelo domínio dos mais fracos.
A produção é uma metáfora fabulosa da libertação da mulher,
onde as funções de parideira, ama de leite, ou donzela de casa, já
não são mais suficiente. Essa figura que outrora apenas
representava um ideal de beleza, agora adquiriu o poder de
reivindicar a posição de igualdade que há muito a mulher
conquistou só o homem que ainda não percebeu. Temos na produção
estereótipos, mas não aquela coisa banal e baseada em modismo.
Temos o discurso incorporado as cinco (5) principais figuras
antagonistas do filme. Representam um modelo de poder masculino
cultuado e fomentado por séculos dentro das diversas sociedades,
sejam ocidentais ou orientais. Todavia, com suas contradições,
adaptações e fraqueza. O mais icônico, Imortan Joe, representa a
politica, com sua mascara, com seu circo e desejo perverso de dominar
a mulher e os mais fracos. O Senhor das Armas, figura ânsia por traz
de toda a dominação, incapaz de dialogo, apenas a utiliza da força
para seguir com a matança. Temos o Senhor do petróleo, com o
alimento para a máquina mecânica que proporciona o controle e
posição de prestigio num mundo já destruído.
Juntos, essas três representações narram o caminho que o mundo
seguiu até aquele ponto, e quais eram as prioridades. Os outros dois
quadros masculinos trazidos nesse caso é Nux, o “garoto meio vida”
com suas cicatrizes e crenças absurdas, que só o coloca na mesma
posição da mulher dentro da sociedade opressora do macho alfa. Só
que esse homem medíocre não sabe, acredita ser peça fundamental
para construção do futuro, lutando por ideologias, pessoas e
sistemas falidos, que sustentam a supremacia de poucos. Por outro
lado, temos Erectus, filhos Joe, extensão fálica do poder decadente
do patriarca. Uma deformação social, apenas um herdeiro sem cérebro
do legado predestinado a perfeição de um filho que ainda não
nasceu. Homens como ele existem aos milhares gritando para todos, que
é filho de tal, herdeiro de tal e precisa ser respeitado por este
motivo.
Nessa bagunça, encontramos as figuras femininas, apossadas de
criticidade, cansadas do jogo sujo relegado a elas, conhecedora das
leis do mundo, e obstinadas a se livrarem das algemas que cercearam
suas conquistas por décadas. Trabalham em conjunto, para escapar das
garras do déspota líder da cidadela que procura uma forma de
prolongar seu poder, por meio de um filho perfeito. Uma imagem pura,
uma entidade para ser santificado, em meio a todas as bizarras
figuras que se proliferam naquele decadente reinado. A velha historia
do pai e filho, que manifestam a vontade para satisfação pessoal,
só que de forma covarde não mostra a face desgastada pelas próprias
armadilhas e mentiras.
Furiosa, interpretada de forma brilhante por Charlize Theron rouba a
cena, como muitas vezes a atriz já o fez, mesmo em papeis de vilã.
Ela consegue tornar verossímil e necessário um modelo de força,
baseado nos erros do inimigo, no caso aqui, o homem. Entretanto, ela
é frágil e precisa da compreensão de todos para validar os
próprios objetivos, mesmo sendo uma grande utopia de infância. A
relação dela com Max inicia-se no ódio, depois tornasse gratidão
e por fim, confiança. Porém ele, a mais emblemática e enigmática
manifestação humana no filme, busca sua redenção, e próprias
conquistas. O que nos demais filmes fica bem explicito, sempre que
quando opta por ser a isca. O modelo de herói trazido aqui não se
convence com a vitória, nossa “pseudo protagonista” sabe que o
poder corrompe, e foge da responsabilidade de tornar-se o monstro
combatido.
Afinal de contas, mesmo estando falando de liberdade feminina, sempre
existe quem controla esse poder. E uma vez que existe disputa de
interesses, existe guerra, mortes e privação de liberdade. Max
nesse caso prefere escolher a solidão, mesmo que esse conforto seja
impossível no desértico e pós-apocalípticos retratado no filme.
EMIR BEZERRA, COLUNISTA
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