Branca de neve sem anão e sem príncipe
— Branca, aonde você vai?
— Poxa pai, está rolando a maior festa na casa da Aurora, não posso perder!
— Não demora então... Branca?
A menina saiu as pressas com a saia longa e amarela de voal sendo segurada pela mão da garota, ao mesmo tempo em que era arrastada pelo vento. A alça do cropped azul pendia no ombro e a bolsinha não existia mais, fora improvisada na capinha do celular.
"Só os documentos está bom." Pensou Branca.
Aurora era sua amiga de infância e tudo que Branca queria era estar presente na festa, até porque Fred, o ex que ela tanto amava, mas nunca conseguia ter algo estável, estaria lá.
Antes de bater na porta da amiga, Branca arrumou a alcinha, deu uma batidinha na saia e retocou o batom cor de sangue que ela não tirava da boca.
— AMIGA! — Aurora abriu a porta assustando a garota com um abraço apertado. — Vem, Branca. Ele está aqui!
Branca suspirou e entrou na casa. O som do ambiente era dominado pela música "Show das poderosas", e as garotas riam e dançavam a coreografia em momento de descontração e brincadeira. Os copos com cerveja e vodca, estavam presentes em todas as mãos dos convidados. Fred estava lá também.
Os olhos azuis da garota encontraram com os azuis dele e ela estremeceu. Ele riu para o amigo e deu um gole na cerveja, tentando ignorar a presença da menina. Branca tentou pensar em esquecer que ele estava ali, só por alguns segundos, e se divertir. Ela dançou até o chão com as amigas e cantou "Boate azul" no karaokê, dedicado para Aurora, que adorou a animação.
— Aurora, vou no banheiro! — ela gritou no ouvido da loira enquanto a música aumentava a batida. Deixou o copo no balcão e se dirigiu ao banheiro.
— Ei, garota! — Fred segurou o braço de Branca e a puxou para o peito dele. O hálito de cerveja misturado com trident de menta inundou o nariz da menina, fazendo a força da resistência contra ele desaparecer.
— Preciso ir ao banheiro, pode me soltar?
— Tudo bem, vermelhinha, só quero que ouça o que tenho pra dizer. — a voz dele estava demonstrando uma embriaguez que fazia Branca revirar o estômago.
— Diz!
— Preciso que você volte. — Fred apertou o braço dela — Volte para mim. — Branca fez jus a seu nome, ficando instantaneamente pálida.
— Eu sinto muito pela sua falta de consideração à minha pessoa, Fred, mas as coisas mudaram. Eu mudei! A gente cresceu, você se tornou um cafajeste e eu me tornei madura o suficiente para não cair mais nos seus "contos de preciso de você", então é isso. Você precisa da sua cerveja, eu preciso do meu banheiro.
Bateu os pés em retirada e foi ao banheiro, trancado a porta e olhando no espelho fria, assim como sempre fora. O único momento em que ele esteve ali com ela, fora na morte de sua mãe. Então ele voltou a ser o Fred que era.
Quando abriu a porta do banheiro, os sete babacas conhecidos como melhores amigos, estavam ali na porta, esperando para abraçá-la.
— Você veio, branquela!
— Nós sentimos sua falta, sumida.
— Você é nossa chefe, cara, não pode sumir assim.
— A Aurora não dá conta de nós como você, Branca.
Todos estavam ali, pra curar a dor de um amor mal sucedido, com o amor de amizades verdadeiras. Quando viram que Fred estava lá, os amigos de infância da menina correram para onde ela estava, fazendo com que o campo de visão do garoto sumisse.
— Então foi assim, tive que viajar por causa da louca que roubou a grana do meu pai e da minha família. Eu tentei manter contato com vocês, mas quando cheguei na cidade só a Aurora ainda estava com o mesmo número, então... — a voz dela estava embargada — Eu senti falta de todos vocês.
— E dele? — o amigo mais novo apontou para Fred.
— Eu o amo, vocês sabem, mas entre eu e ele não existirá nada, nunca mais. Entendem?
-
Os garotos deixaram ela em casa. Os dedos de Branca estavam gelados e ela sentia calafrios.
— Você não me disse tchau, garota. — Fred surgiu da rua com a cabeça baixa e os braços cruzados. Branca derrubou as chaves no chão com o susto. — Pare de fugir de mim.
— Pare de me destruir! Acho que isso já ficou esclarecido.
— Por que foi embora, cara? Eu senti sua falta. Eu nunca senti falta de uma menina, nunca doeu assim, e ai você foi embora e levou tudo de mim, Branca, Tudo que eu tinha foi com você. Eu bebo toda maldita noite tentando te esquecer e acabo sempre assim, chorando que nem um bebê e bêbado, indo pra casa apé. — ele tentou pegar a mão dela, mas ela esquivou — Desculpa se eu fui um cafajeste, desculpa se a gente não deu certo, desculpa se você precisa de alguém melhor, desculpa se te fiz sofrer mas to aqui, me redimindo, te pedindo desculpa!
— Eu te desculpo, tranquilo. Lembra que desculpas não são suficientes.
— Tudo bem, então pelo menos aceita isso. Sei que você gosta. — O garoto entregou um chocolate a ela e sorriu. Ela abriu, e um pouco antes de colocar na boca olhou para ele.
— Obrigada, como amanha.
Ela entrou em casa e trancou a porta, jogando o chocolate na lixeira.
A menina de cabelos negros como carvão e pele branca como a neve, de lábios vermelhos como o sangue, vivia em uma época que o cavalheirismo não existia, que os príncipes eram só lendas, doces de "estranhos" não eram confiáveis e que festas e amigos, ainda estavam presentes nas melhores noites.
— Boa noite, Branca. — o pai ainda estava no sofá, vendo futebol, enrolado em um cobertor. Ela se aproximou e beijou sua testa.
— Boa noite, pai. E ah, o senhor tem razão, nossa vida sempre vai ser essa coisa clichê, nunca um conto de fadas.
(CRANELA)
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