A covardia nossa de cada filme


Muitas historias "reais", são contadas pelo cinema. Guerras vencidas, reis depostos, impérios em queda, etc. Ascensões e declínio fazem parte do histórico cinematográfico. Superação, também deveria ser apontada nesse texto como aspecto crucial para montar um enredo interessante, sobre a vida de alguém ou mesmo expor um fato histórico. Entretanto, muitas vezes a visão que é apresentada ao cinéfilo ou entusiasta da sétima arte é distorcida, acovardada e mentirosa. Recentemente, assisti ao filme Corações de Ferro (Fury) do diretor David Ayer e Brad Pitt como ator principal. Muitas ideias me vieram à cabeça durante as quase 2h14min de exibição. Porém, foi no final de todo espetáculo de bravura exacerbada e discursos enferrujados, que estamos acostumamos a escutar no cinema hollywoodiano que me dei conta de um detalhe. Só covardes contam historia no final dos filmes. Mesmo os vitoriosos e corajosos, ficam relegados à situação de sustentáculo para um personagem sem margem para heroísmo. Colocado dentro do enredo apenas como enfeite, ou ponte para apresentar aspectos mórbidos e perversos do ser humano. Esse indivíduo tem como função tornar nobre, atitudes muitas vezes reprováveis dentro de uma sociedade dita como civilizada. Como é feito essa construção? A explicação abrange muitos aspectos dos psicológicos dentro e fora do filme. São diversos elementos que formarão sua empatia com relação aos personagens. Só discutirei três dessas facetas (o texto iria ficar enorme).

Primeiro: Um gesto nobre encobre a maldade.

Claro, dentro de qualquer conflito, existem as aberrações de personalidade. Afinal de contas, matar pessoas, engana-las, maltrata-las tem de ser encarado apenas como falha de caráter ou situação ocasionada pelo momento. Nada de discutir a verdadeira natureza do crime. Contudo, é sabido que jogar simplesmente na tela sem uma argumentação plausível, que corrobore com as atitudes apresentadas, iria chocar o publico. Isso não é bom para os negócios. Nesse ponto, nosso fantoche "o covarde" ameniza o drama se solidarizando com as vitimas da barbaria. Isso tira o foco dos demais participantes de cena. Um bom exemplo acontece em Platoon (1986). O protagonista da trama, um soldado voluntário no Vietnã, vivido por Charlie Sheen, ao presenciar uma cena de estupro, ataca seus colegas de exercito de forma brutal, demonstrando uma coragem que até aquele momento não existia. Todo o resto ficou em segundo plano, somente o ato nobre prevaleceu naquele momento. Esconder a perversão humana é uma tarefa árdua para o cinema.

Segundo: Tornar as atrocidades do vilão fora controle.

Aqui o crime se faz necessário para encerra uma série de eventos trágicos e mortais. Nesse caso nosso amigo, “o covarde”, é apenas um espectador na função de enaltecer o valor e os motivos que levam o "salvador da pátria" a tirar a vida do vilão. Como exemplo, posso citar todos os filmes de 007. Entre as diversas justificativas para matar temos, defender a humanidade. Por este simples motivo, o agente britânico pode matar quem atravessar seu caminho. Um "tirinho" na perna não resolve. Quem assistir de fora da trama (você) aplaude. Afinal de contas ele salvou sua pele. E todo mundo gostar do alivio que a salvação nos causa. Durante o filme, diversos aspectos do “herói” são empurrados em você. Músculos, inteligência, charme, riqueza e capacidade de superação. O vilão até apresenta as mesmas características muitas vezes. No entanto, ele fala dos planos sozinhos, como ameaça para ao telespectador. Mesmo que na cena existam diversos personagens, o sujeito na poltrona que é o foco. Causar a sensação de insegurança, desconforto e impotência seria objetivo. Sabemos todos os melindres e artimanhas do cara, mas em nada podemos ajudar nosso amigo de terno e olhos claros. No final, quando enfim, somos salvos, o peso se vai com os créditos do filme.

Terceiro: Contar razões e desmerecer razões.


Talvez, a mais complexa atitude tomada pelos produtores de filmes. Tornar menos criminosas, as razões pelo qual um crime cometido pelo mocinho, é mais justificável do que se fosse cometido pelo vilão. Nesse caso, entra a ideologia, a moral cristã, o sacrifício e prol de todos e o martírio humano. Vamos colocar assim, quando um nazista no filme mata para se defender é errado, mesmo estando sob ordens, e ameaça de superiores. Contudo, quando deliberadamente um cidadão decide que pode fazer justiça com as próprias mãos e sair de capa e máscara. Bom, se torna herói. Aqui você, eu, todos somos "o covarde", por que a historia não é contada por ninguém, apenas apresentada. Nós a justificamos. Esquecemos tudo que nos foi ensinado durante nossa vida até aquele momento. Achamos o máximo aquele ser sombrio, sexy, livre, cometendo todo tipo de crime. Ninguém está a fim de saber que doenças mentais aquele louco pode ter. Somos levados ao êxtase, às fantasias de grandeza e invulnerabilidade. Tratados como deuses que presenciam um feito único. Algo que nunca mais se repetirá. Condicionados a esquecer que apenas iremos contar a historia do "vencedor corajoso". Como acontece sempre, em livros, documentários, filmes, revistas, jornais etc. 

Share:

0 comentários