Esqueceu uma coisa sua


Já havia longos minutos que eu estava me revirando na cama, tentando encontrar um motivo para dormir. Tinha um para não dormir: você. Sentei-me tentando encontrar o interruptor do abajur que projetava estrelas no teto. Você me deu, que infantil. 

Tateei a escrivaninha tentando achar meu maço. Achei, sem antes ter derrubado a garrafa d'água no chão. Quem se importa, pensei. Vesti o roupão por cima do pijama e enfiei as pantufas do "Taz" nos pés, que você também havia me dado. 

Não me toquei que ainda era três da manhã e muito menos me importei se houvesse pessoas na praia. Precisava do meu tempo. Desci as escadas e, para variar, bati meu pé na cadeira da mesa da cozinha. Desliguei o alarme e destranquei a porta. Ela se fechou atrás de mim, fazendo um baque conhecido, não estranho. Foi o mesmo baque que eu ouvi quando você desceu as escadas aquele dia. Tranquei a porta e apoiei minhas costas nela. Engoli o choro que fazia arder minha garganta e meus olhos e atravessei a rua, depois a avenida.

A luz que vinha dos postes não era tão forte quanto a neblina noturna de um tempo gélido na praia. Não havia ninguém ao meu redor. Nada de carros, pessoas ou cachorros. Ninguém queria sair no frio, mesmo tão inocente como aquele. Me apoiei na areia e sentei, batendo minhas mãos nas pernas para tirar os grãos do meio dos dedos. Tirei um cigarro de menta da carteira e o acendi. O vento, contra o meu favor, fez questão de apagá-lo. 

A brisa do mar bateu forte em minhas narinas e tive que fechar os olhos para não espirrar. O cheiro da maresia era bom, mas me lembrava você também. Como os cigarros de menta que você me fez gostar, e o esqueiro roxo que você me deu. A cama ainda tinha seu cheiro e aquele cantinho que eu havia sentado... Me dei conta que involuntariamente meus pés me trouxeram até nosso canto favorito da praia. Ainda havia nossas iniciais gravadas no meio fio que dividia a calçada e a areia.

Meus olhos começaram a lagrimejar e eu obriguei o esqueiro a acender o maldito cigarro a fim de me fazer saciar o vício de um pedaço do que você havia me deixado. Foi ai que na primeira tragada eu ouvi. Sua voz clamava pelo meu nome e eu me forçava a enxergar o porque. Não podia estar delirando de sono, eu não estava com sono. Não estava bêbada, só chorando, o que não dava motivos para ter alucinações com você.

Mas era. Mais uma vez a vontade de ti fora tão grande que me fez te ouvir me chamar enquanto ria enlouquecidamente porque eu havia falado bobeira de novo. Como naquele dia que você disse que conseguia fazer "joinha" com o dedão do pé e eu precisei de um copo com açúcar para parar de rir. Nós precisamos.

Nessa minha loucura inteira, já se passaram quatro horas. Já são sete da manhã e eu já fumei a carteira de cigarro inteira. Você ainda não voltou e a praia está começando a tomar vida. 

Senti o sono me dominar e caminhei para casa, destranquei a porta, tirei as pantufas e o roupão e subi as escadas. Me enrolei no edredom que você havia derramado um pouquinho de perfume e adormeci com o seu cheiro. Era a uma das duas coisas que você havia deixado para trás. A outra? Era eu.

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