Irei encontrá-la onde quer que for.
Estou
nesse quarto de hospital há exatamente cinco meses, e em todo esse tempo
nenhuma visita, por mais rápido que fosse ninguém da família.
Estou
muito doente e essa doença não tem cura, para falar a verdade nem se sabe ao
certo o que tenho só se sabe que morrerei em breve, muito em breve.
Durante
esse tempo aqui tenho me alimentado através de sondas, não tenho andado nem até
a porta e quase nunca falo. Durante esse tempo também pude ter certeza de que
viver não vale e nunca valerá a pena quando não se tem um motivo concreto.
(...)
Esse
lugar (porque isso não pode ser chamado de quarto) é horrível, e por mais
incrível que pareça eu gosto disso. O ar daqui é pesado e nada convidativo,
parece um convite à morte, ou talvez ele sussurre: “a morte está próxima” e
depois ainda abre um sorriso cínico. É, eu gosto disso, gosto de tudo isso que
para a maioria das pessoas é abominável, mas, eu gosto.
Minha
cama está em um lugar bem estratégico, longe da janela, é que os médicos e
psiquiatras tem medo de que eu surte de vez e me jogue, então eu fico nesse
tédio total e completamente só, mas, sabe o que me conforta? Ele estará aqui,
na hora exata todos os dias para fazer com que minha existência valha a pena.
Ah, como eu o amo.
Seu
nome é Eduardo, mas, eu costumo chamá-lo de “vida”, porque é exatamente isso
que ele significa para mim. E veja só, ele acaba de chegar, exatamente pontual
como sempre foi. Ele me traz rosas brancas que querem dizer “eu sou digno de
você”, e elas falam a verdade, pois, o “vida” é o único digno de mim e do meu
amor.
Observo-o
enquanto ele troca as flores antigas do vaso pelas novas e depois caminhar
vagarosamente e silenciosamente até mim, com sua calça social e uma blusa
xadrez recentemente lavada. O seu sorriso é o mais lindo do mundo para mim e o
seu cheiro me deixa tão, tão...
— Boa tarde, minha
menininha linda – ele diz e sorri ao mesmo tempo.
Os
dias não têm sido nada fáceis, ontem tive uma recaída terrível e quase vou
dessa para uma melhor, e então eu passei a relembrar os simples detalhes da
minha vida com o “vida”. Lembrei-me do nosso primeiro beijo aos onze anos, e
como nossos pais acharam engraçado quando chegamos a casa aos gritos dizendo:
“Estamos namorando. Estamos namorando.”, foi o dia mais engraçado de minha
vida. Lembrei também de como anos depois ele permanecia ali, sempre ao meu lado
e cuidando de mim, e como mesmo quando eu o larguei para ficar com o mais
popular da escola, e ele continuou ali, sempre. E quando eu completei 16 anos e
meus pais morreram em um acidente de carro terrível ele permaneceu ali, ao meu
lado, mesmo quando eu comecei a me cortar e até tentar suicídio duas vezes,
sempre, ele sempre estava lá, em cada momento bem ou ruim, e agora depois de
descoberta a doença ele continua aqui, lutando juntamente comigo, mesmo com sua
família sendo contra, ele largou tudo e ficou para cuidar de mim, então se eu
morrer hoje, morrerei feliz por tê-lo ao meu lado.
— Boa tarde vida! –
esforço-me ao máximo para que cada palavra seja pronunciada. Estou cansada,
tão, tão sem vida.
— Shiu, shiu, shiu,
não precisa falar amor. Poupe as energias – enquanto fala ele olha dentro de
meus olhos. Como pode nascer só uma vez e ser tão meu? Queria ter forças para
abraçá-lo, mas, parece que desde que acordei fico mais fraca, leves clarões invadem
minha mente e eu apago, mas, não por completo. Irei morrer, hoje, daqui a
alguns minutos. – Como está se sentindo?
— Estou morrendo. - uma
leve expressão de medo passa pelo rosto dele, mas, logo é apagada por um
sorriso.
— Pode parar. Daqui a
algumas semanas você ficará boa e iremos nos casar - um brilho se acende em seu
rosto. A palavra “casamento” me assusta, eu nunca me imaginei ao lado de alguém
por toda a vida. Na verdade, eu pensei que morreria aos 16 anos sem nunca ter
dito um “eu te amo”, e só hoje no último dia de vida eu terei coragem de
pronunciar tais palavras.
Esforço-me
ao máximo para tocar sua mão e sussurro:
— Deita comigo? – um
pedido, simplesmente isso, só que ambos sabíamos que significava muito mais.
Ele
balança a cabeça positivamente e com todo o cuidado do mundo se deita ao meu
lado. Olha-me, alisa meu cabelo, meu rosto, me abraça, beija minha testa, nunca
pensei que eu poderia morrer tão feliz.
— Eu amo você! –
pronuncio angustiosamente e de repente tudo começa a virar um borrão, um borrão
cinza e feio.
— Eu amo você, eu amo
muito você, não se vá, fica aqui, comigo. – eu sorri, era tudo o que eu
precisava ouvir. Uma lágrima rola em meu rosto e então tudo escurece de vez.
(...)
E
então ela se foi, no seu último suspiro, somente no seu último suspiro eu pude
dizer o quanto a amava. Com seu corpo frio em meus braços ainda demorei um pouco a acreditar que ela
realmente tinha ido.
E
quando finalmente caiu em mim.
— Não, não, não pode
ser. Tantos planos... – começo a falar desesperadamente e aos prantos, enquanto
isso vários médicos entram e começam a tentar reanimá-la.
Um
deles me vê ao canto do quarto inconsolável, chorando e diz:
— Eu sinto muito. –
sinto cada vez mais e mais lágrimas rolando em meu rosto.
Saiu
daquele quarto o mais rápido possível, ligo para um tio dela e peço para
providenciar o velório e o enterro.
— Não, eu pagarei
tudo, mas, eu não suportarei ir.
(...)
Alguns
dias depois amigos da faculdade ao perceberem sua falta, resolvem ir até seu apartamento,
ao chegarem lá encontram a porta aberta e ele pendurado na sala por uma corda
em seu pescoço e em baixo um bilhete que dizia:
“Eu não poderia
suportar uma existência sem ela. Não seria viver. Seria na verdade, uma
tortura. Se você está lendo isso é porque finalmente, depois de várias noites
sem dormir me decide (suicídio). Não fique triste, pois, eu estou feliz, porque
agora tenho esperança de que onde quer que ela esteja eu irei encontrá-la.
Sempre.”
COLUNISTA, CAMILA LEAL.
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