A culpa é da neve
Eu havia acabado de acordar e o sol já raiva forte lá fora tentando, em vão, derreter as camadas grossas de gelo que o frio havia formado durante a madrugada. Confesso que morar em um país diferente, onde ainda não me adaptei totalmente e que faz um frio desconcertante é bem ruim. Mas tudo se resolvia se eu olhasse para o meu lado. Ele dormia profundamente, descansando das noites em claro por conta de problemas no trabalho. Merecia um descanso.
Pus-me de pé afim de fazer um café da manhã que enchesse o estômago de qualquer leão. Qualquer felino faminto, que se comparava facilmente ao homem ao meu lado. Deixei-o dormir em seu milésimo sono e fui preparar o café. Ovos, bacon, suco, torradas, café forte, geleia, pão de forno, bolo de cenoura e calda de chocolate.
Acabei derrubando a bandeja no chão antes de, felizmente, colocar os alimentos nela. Enquanto catava os cacos espalhados, cortei a palma da mão, nada que uns curativos não ajudassem. Fiz o curativo e coloquei um pouquinho de cada coisa na outra bandeja, dessa vez de madeira, sem desastres.
A porta do quarto estava entreaberta e o chuveiro ligado. Ele provavelmente havia acordado com o barulho do meu desastre. Deixei a bandeja na cama e esperei que ele saísse do banho. Este homem tinha uma mania de apernas enrolar a toalha em seu corpo e sair pingando água pela casa toda. Eu já havia desistido de discutir. Era seu jeito.
Ele saiu do banheiro passando a mão pelo cabelo molhado para ajeita-lo. Quando me olhou, sorriu como se eu fosse o seu mundo. Veio até mim, segurou meu queixo com o indicador e o polegar e me deu um beijo forte, sem delongas, firme e apaixonado. Acabei perdendo o ar e ele riu.
— Isso é para mim? — e nossa, ele sorriu de novo.
— Se você me der mais um sorriso, é sim. — e ele sorriu.
Havia algum tempo que eu estava ao lado dele, de toda forma, ainda me via meio perdida quando ele sorria para mim de forma diferente de sorrir para outras pessoas. Sentou ao meu lado e colocou a bandeja no colo. O que ele colocava em sua boca, me dava na boca, com um selinho para completar. Ao final, ele sorriu de satisfação e agradeceu.
— O almoço fica por minha conta. — assenti.
Estávamos de "folga" naquele dia, então a casa era só nossas, os bebês estavam com a mãe dele. Admirava aquela mulher por tudo que ela havia feito pela minha família e pela dela.
Decidi jogar vídeo-game, coisa que eu não fazia frequentemente. Coloquei guitar hero no Xbox e, antes de selecionar o player ele se sentou do meu lado e pegou o outro controle, e novamente, sorriu. FALA SÉRIO!
Depois de quase três horas jogando (e perdendo totalmente nossa noção de tempo), as partidas terminaram em cinco para mim e três para ele. Em resposta à sua revolta, ganhei um abraço de urso que estralou todos os meus ossos e me fez fraquejar. Tive que tomar um banho para relaxar. Ele foi preparar o almoço.
Sempre tive a sensação de que era necessário ter uma coisa de tudo em casa, para em dias de neve extrema e impiedosa, não precisar morrer por falta de algo. Mas não achei necessário um teste de gravidez. Só que ali estava ele e ali estava eu. Vomitando.
Eu havia derrubado o perfume na pia, o que fez com que o cheiro ficasse impregnado no banheiro. Meu estômago reagiu da pior forma possível e eu vomitei até a bile. Nunca pensei que pudesse estar grávida, mas por um instante o teste estava ali e eu resolvi testá-lo.
Positivo. Eu gritei.
Ele veio correndo tão desesperado que ganhou um roxo no braço por bater na maçaneta da porta.
— O que aconteceu?
Meu sorriso era deslumbrante e eu apenas mostrei o teste. Ele explodiu de felicidade.
— Obrigado! — e me beijou.
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