Posso me sentar com você?
Era época de festas de final de ano e, para variar, eu passaria as "férias" trabalhando. Isso indicava "tchau família", "tchau amigos", "tchau praia", tchau a tudo que eu desejava para o fim do ano.
Eu tinha duas horas de almoço e precisava agilizar algumas "contas de final de ano". Eu passaria sozinha, mas faria minha festa da forma certa, celebrando o motivo da comemoração. Tive que almoçar rápido e, para mim, rápido é fast food. Droga! Lá se vão alguns quilinhos a mais para virar o ano. Mas quem se importa?
Fui para o MC Donald's e pedi um combo, eu merecia! Esperei meu lanche ficar pronto e observei um lugar calmo - longe do ar condicionado - para que eu pudesse me sentar.
Acabei indo para perto da janela de vidro que dava direto para a avenida. A cidade estava parecida com um deserto e eu estava totalmente distraída no cinza que ela me proporcionava, com o dia chuvoso e quieto demais.
- Posso me sentar com você? - um homem alto de cabelos castanhos e olhos cor de mel estava parado ao meu lado com uma bandeja nas mãos, me olhando com ternura e atenção.
- Ahn, claro. Pode sim - consegui esboçar um sorriso assustado e curioso que não passou despercebido.
Ele colocou a bandeja na mesa e o celular no canto, perto da parede. Virou-o para baixo e sentou-se. Respirou fundo de olhos fechados e quando ele abriu, encontrou direto com o meu. Eu poderia ter tido um ataque cardíaco com o olhar do homem, mas me controlei. Aquilo era totalmente absurdo!
- Sou Eduardo, ou Dan. E me desculpe, mas vi que você iria comer sozinha. Estamos perto do natal e eu odeio comer sozinho. Vim lhe fazer companhia, assim você me faria tanbém. - desculpe mas eu sorri quase estonteante. Ele viu? Ai meu Deus, ele viu! Vou enfiar minha cabeça na terra.
- Mônica, ahn, também não sou muito fã de "almoços solitários", mas não possuo opções... - fui interrompida.
- Você tem um belo sorriso, Mônica.
Ótimo, o moço acabara de me provocar uma louca formigação nas bochechas causando uma vermilhidão nítida. Acho que eu devia comer e parar de falar. Comer... Eu odeio comer perto de gente que não conheço. Me sinto uma criança de dois anos que está aprendendo a lidar com a comida e os movimentos e que não consegue controlá-los. Droga! Não derrube na roupa, não derrube na roupa, pelo amor de Deus, Mônica, não derrube!
- Então, você faz o que? - deu um leve sorriso de canto que fez eu parar de sentir as pernas e abocanhou o hamburger mastigando do lado direito e me olhando atento e curioso. Me esforcei para não rir, não que tenha sido engraçado... ah foi sim!
- Sou jornalista e escritora da Editora Cult... se conhece - mordisquei delicadamente o lanche e não aguentei. Eu não conhecia o cara e nem ia ver ele de novo. Foda-se a primeira impressão. Acabei mordendo tão gostoso que senti o catchup escorrendo pelo cantinho da boca.
Ele riu.
- Uma escritora! Posso pedir um autógrafo em um livro? - só consenti, nem tinha como falar - Você não me perguntou, mas sou inofensivo e vou falar. Faço parte de uma rede de engenharia. Estou fazendo uma pós para me aperfeiçoar.
- E quantos anos você tem? - ele me parecia maduro demais, mas novo demais.
- Bom, com certeza menos que você. Tenho 24, aquele número da zoeira dos amigos. - deu uma piscadela e outra mordida.
- Acertou. Sou uma titia! 26 com direito a dores nas costas e remédios para dor de cabeça - comi umas batatas e tomei refrigerante. Nossos olhos nunca desviavam.
- Acho que nenhum louco já fez isso com você. Sentar assim. Eu realmente odeio comer sozinho e estou me sentindo sozinho. Me mudei para cá tem dois meses por causa do emprego. Meus pais e irmãos moram em Londres e outros parentes moram no Rio. Estou meio perdido e... pensei porque não?
- Nunca fizeram, mas sempre há uma primeira vez. Só não esperava que fosse em um dia que eu estivesse com o cabelo de espiga de milho. Eu poderia estar mais arrumada, mas nem sempre faço isso.
- Acho ótimo assim. - e sorriu.
Conversávamos sobre uma e outra coisa de família e emprego. Mordíamos o hamburger e saboreávamos as batatas. Aquilo nunca havia acontecido, não comigo e era engraçado. O cara era gente boa. Acabamos trocando nossos números e eu fui terminar de resolver meus problemas.
Não tinha passado nem cinco minutos que eu havia saído do MC, recebi um whatsapp dele.
"Acho que poderíamos nos ver de novo no Natal, você podia me mostrar a cidade e não passaríamos sozinhos. É um inferno não conhecer nada" ... "Ah, eu gostei de você!"
CRANELA
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